Alergia ao leite de vaca (APLV): guia completo de sintomas, diagnóstico, dieta e tratamento
- Erica Paiva
- 26 de ago.
- 6 min de leitura
A alergia ao leite de vaca — também chamada de alergia à proteína do leite de vaca (APLV) — é uma das alergias alimentares mais comuns na infância. Embora seja mais frequente em bebês e crianças pequenas, pode persistir em idade escolar e, mais raramente, até a vida adulta. Este guia reúne, de forma prática e atual, o que você precisa saber: como reconhecer sintomas, como é feito o diagnóstico, qual é a dieta segura, quais fórmulas usar, quando pensar em reintrodução e como viver bem evitando riscos desnecessários.
Aviso importante: as informações a seguir são para fins educacionais e não substituem uma consulta com pediatra, alergista ou nutricionista. Em situações urgentes, procure atendimento imediato.

O que é APLV?
A APLV é uma reação do sistema imunológico às proteínas do leite de vaca (principalmente caseínas e proteínas do soro como beta‑lactoglobulina e alfa‑lactoalbumina).
Tipos de APLV:
IgE‑mediada (reação imediata): sintomas geralmente surgem minutos até 2 horas após a ingestão.
Não‑IgE‑mediada (reação tardia): sintomas podem levar horas a dias, geralmente gastrointestinais e de pele.
Mista: combina características de ambas.
Prevalência: estimada em 2% a 3% de lactentes. Muitos desenvolvem tolerância ao longo da infância, especialmente até os 3 a 5 anos.
APLV x intolerância à lactose: não confunda
APLV = alergia às proteínas do leite. Pode causar urticária, vômitos, sangue nas fezes, chiado, anafilaxia.
Intolerância à lactose = dificuldade de digerir o açúcar do leite (lactose) por baixa da enzima lactase. Causa gases, dor abdominal, diarreia, mas não envolve o sistema imune.
Produto “zero lactose” NÃO é seguro para APLV, pois ainda contém proteínas do leite.
Principais sintomas
Pele
Urticária (vergões), inchaço de lábios/pálpebras
Dermatite atópica/eczema que piora após ingestão
Gastrointestinais
Vômitos repetidos, cólicas intensas, diarreia
Muco e/ou sangue nas fezes (especialmente em lactentes)
Refluxo importante, recusa alimentar, baixo ganho de peso
Respiratórios
Coriza, espirros, tosse, chiado, falta de ar
Sistêmicos (em reações graves)
Anafilaxia: queda de pressão, dificuldade para respirar, comprometimento de dois ou mais sistemas
Sinais de alarme (procure urgência): dificuldade para respirar, chiado intenso, língua/lábios/pálpebras muito inchados, tontura/desmaio, vômitos persistentes após exposição. Se houver prescrição de adrenalina autoinjetável, utilize conforme orientação médica e acione o serviço de emergência.
Como é feito o diagnóstico
História clínica detalhada: quais alimentos, quanto, tempo até sintomas, padrão de repetição.
Testes alérgicos (quando indicados):
IgE‑mediada: teste cutâneo de puntura (prick test) e/ou IgE específica no sangue podem apoiar o diagnóstico.
Não‑IgE: testes de IgE geralmente negativos; o diagnóstico se baseia na resposta à dieta de exclusão e no teste de provocação.
Dieta de exclusão + teste de provocação oral (TPO): padrão‑ouro para confirmar APLV. Feito sob supervisão médica, especialmente quando há histórico de reação moderada a grave.
O que não é recomendado de rotina: testes “alternativos” sem validação (por exemplo, IgG alimentar isolada, testes bioenergéticos). Evite falsos diagnósticos.
Tratamento e manejo na prática
1) Exclusão das proteínas do leite de vaca
Evitar todas as formas de leite de vaca e derivados (leite fluido, fórmulas comuns, queijos, iogurtes, manteiga, creme de leite, soro de leite, caseinatos).
Ingredientes que indicam presença de leite: leite, soro, caseína, caseinato, lactoalbumina, lactoglobulina, caramelo de leite, sólidos do leite.
Atenção: ghee/manteiga clarificada pode conter traços de proteína e não é considerada segura para APLV.
2) Aleitamento materno
O leite materno é recomendado. Se o bebê reagir a proteínas do leite que passam pelo leite materno, a mãe pode precisar de uma dieta isenta de leite de vaca (e, por vezes, de outros lácteos), com acompanhamento nutricional para suprir cálcio, vitamina D, iodo e proteínas.
Não suspenda o aleitamento sem orientação profissional.
3) Fórmulas para lactentes com APLV
Primeira linha: fórmula extensamente hidrolisada (FEH/eHF), em que as proteínas são quebradas em fragmentos menores, reduzindo a alergenicidade.
Fórmula de aminoácidos (FAA/AAF): indicada para casos graves, anafilaxia, falha clínica com FEH, enteropatias ou múltiplas alergias.
Fórmulas de soja: podem ser consideradas em maiores de 6 meses, se não houver alergia à soja, seguindo avaliação médica. Em menores de 6 meses, a aceitação varia conforme diretriz.
Fórmulas à base de arroz hidrolisado: opção em alguns países; avaliar disponibilidade e indicação local com o especialista.
4) Reintrodução e desenvolvimento de tolerância
Grande parte das crianças adquire tolerância entre 3 e 5 anos, mas o tempo é individual.
“Escada do leite” e alimentos com “leite assado” (biscoitos, bolos) podem ser introduzidos em etapas sob supervisão especializada, principalmente em quadros leves a moderados. Não faça testes caseiros sem orientação.
Imunoterapia oral para leite: existe em centros especializados; pode reduzir reatividade, mas não é isenta de riscos. Avaliar caso a caso com alergista experiente.
5) Plano de ação para emergências
Se já houve reação importante, converse com o alergista sobre prescrição de adrenalina autoinjetável e antialérgicos.
Tenha um plano por escrito para escola/creche e cuidadores, com:
alimentos proibidos
sinais de alerta
passos de tratamento e contatos de emergência
Nutrição: o que comer no lugar do leite
Nutrientes de atenção: cálcio, vitamina D, iodo, proteínas, vitamina B12 (dependendo da dieta).
Fontes alternativas de cálcio:
Verduras escuras (couve, brócolis), gergelim/tahine, amêndoas, feijões
Peixes com ossos (sardinha enlatada)
Bebidas vegetais fortificadas (soja, aveia, amêndoa, arroz) — verificar rótulo para fortificação e ausência de leite
Vitamina D: sol seguro + suplementação quando indicada por profissional.
Proteínas: leguminosas (feijão, lentilha, grão‑de‑bico), ovos (se não houver alergia), carnes, tofu/soja (se liberados).
Crianças: acompanhamento com nutricionista pediátrico para garantir crescimento e ingestão adequada.
Rótulos, cozinha e vida real
Leitura de rótulos no Brasil: por norma da Anvisa, produtos devem declarar alergênicos. Procure avisos como “ALÉRGICOS: CONTÉM LEITE” ou “PODE CONTER LEITE”.
“Pode conter” indica risco de traços por contaminação cruzada na fábrica. Converse com o alergista sobre o nível de restrição necessário para o seu caso.
Cuidado com alimentos menos óbvios:
embutidos, sopas em pó, temperos prontos, pães, chocolates, biscoitos, margarinas, purês instantâneos, whey protein
Cozinhar em casa:
utensílios e superfícies bem limpos
separar esponjas/pegadores quando possível
atenção a aerossóis (leite em pó) em ambientes compartilhados
Restaurantes e viagens:
informe a alergia com antecedência
peça para checar ingredientes e modo de preparo
leve lanches seguros e um cartão de alerta de alergia
Prognóstico
Muitos lactentes superam a APLV na infância. Em geral:
boa parte tolera leite assado antes do leite “in natura”
quadros IgE‑mediados com níveis altos de IgE específica e múltiplas alergias podem demorar mais
Acompanhamento periódico define quando e como testar reintrodução com segurança.
Mitos e verdades
“Leite zero lactose serve para APLV.” Falso. Ainda tem proteínas do leite.
“Uma pequena quantidade não faz mal.” Falso. Traços podem causar reações em pessoas sensíveis.
“Ghee é seguro.” Falso para APLV; pode conter proteína residual.
“Alergia e intolerância são a mesma coisa.” Falso. São condições diferentes.
Checklist rápido para pais e cuidadores
Diagnóstico confirmado por especialista? Quais testes foram feitos?
Lista de alimentos/ingredientes proibidos e permitidos atualizada
Fórmula correta para a idade e gravidade
Plano de ação por escrito, escola e cuidadores informados
Suplementação de cálcio/vitamina D/iodo quando indicada
Retorno programado para reavaliação e possível reintrodução
Perguntas frequentes (FAQ)
O que causa a APLV?
Resposta: reação do sistema imune às proteínas do leite de vaca, não ao açúcar (lactose).
Bebês em aleitamento materno exclusivo podem ter APLV?
Sim. Proteínas do leite consumido pela mãe podem passar em pequenas quantidades pelo leite materno. Ajustes na dieta materna podem ser necessários.
Quanto tempo após excluir o leite os sintomas melhoram?
Varia. Em reações imediatas, dias; em não‑IgE, podem ser necessárias 2 a 4 semanas para melhora intestinal e da pele.
Quando devo procurar emergência?
Dificuldade para respirar, inchaço de língua/lábios/face, vômitos persistentes, tontura ou desmaio após ingestão acidental.
Posso usar leite de cabra ou ovelha?
Em geral, não. Existe alta reatividade cruzada entre leites de mamíferos.
Bebidas vegetais substituem o valor nutricional do leite?
Apenas se forem fortificadas e dentro de um plano alimentar equilibrado. Consulte nutricionista, sobretudo para crianças.
Quando tentar reintroduzir?
Apenas com orientação médica. Muitas vezes inicia-se com leite assado, seguindo protocolos de escada do leite.
Probióticos ajudam?
Algumas evidências, como com Lactobacillus rhamnosus GG, sugerem benefício em certos casos, mas a decisão é individual e deve ser profissionalmente orientada.
É preciso evitar traços (“pode conter”)?
Depende da gravidade. O alergista define o nível de restrição apropriado.
A APLV passa?
Em muitos casos, sim, ao longo da infância; acompanhamento define o momento seguro de testar tolerância.
Referências e leituras recomendadas
Diretrizes e materiais de sociedades de alergia e pediatria (ex.: World Allergy Organization, American Academy of Allergy, Asthma & Immunology, Sociedade Brasileira de Pediatria). Procure pelos termos “cow’s milk protein allergy guideline” e “alergia à proteína do leite de vaca diretrizes” para acessar documentos atualizados e confiáveis.
Resumo e próximos passos:
Se você suspeita de APLV, procure avaliação com pediatra/alergista para confirmar o diagnóstico com segurança.
Garanta uma dieta nutricionalmente adequada com apoio de nutricionista, sobretudo em bebês e crianças.
Mantenha um plano de ação por escrito e eduque todos os cuidadores.
Reavaliações periódicas são essenciais para decidir quando e como testar tolerância e considerar reintrodução.